quinta-feira, 23 de abril de 2009

A espada do Rei

Inclino-me contra o avanço adversário. Reforço a expressão no rosto, moral é tudo. Preparo-me para o choque. Dano. Perdas. O inimigo força a entrada. Minhas tropas dizem não. Assisto infantarias caírem aos trotes ininterruptos da cavalaria desenfreada. Sinto os flancos tremerem ao passo dos movimentos do oponente.

A tentativa falha, continuo avançando. O inimigo desespera-se e tenta ameaçar meu alto comando, em busca de uma distração em minhas ordens. Meus guerreiros grunhem por luta, não posso obrigá-los a uma recuada, logo tão perto do alvo. Mando o alto comando também para o front, é hora de mostrar o poder real.

As defesas ordinárias sucumbem ao passo de minhas tropas precisas em suas manobras. Movimentações diagonais cortam o campo de batalha arrasando as tentativas de emboscada. Permaneço cauteloso nos flancos, perdê-los significaria ter batalhões de baixa velocidade comprometidos.

Porém, na guerra nada é mar de rosas. Pesarosos e engenhosos maquinários de cerco vão de encontro com meus flancos, resultando uma troca ágil de unidade morta de um lado para outra morta do outro.

Com as laterais expostas e as defesas em frangalhos, coloco todas as fichas no ataque. Invisto em legiões contínuas e repetitivas, usando-as de escudo para minha arma secreta. Ao matarem a terceira pobre isca, minha amada sai em disparada com sua arma reluzente e destrói os cavaleiros da oposição.

Após tal sucesso momentâneo, causando pesar em meu coração, o alto comando é finalmente cercado. Não havendo mais solução senão fugir, sinto que a derrota aproxima-se cada vez mais da realidade. Em um movimento final, com olhares impotentes do resto do exército, nosso rei estatela-se no chão, levantando a poeira que não merece sustentar seu corpo , o qual jaz ao sol. Sua espada caída brilha e traz gravado o nome de seu império, esperando novo dono.

Tal derrota encheu-me a face de angústia, esquadrinho com raiva explícita os olhos oponentes . Por ordem da etiqueta, permaneço, porém, inabalável em minha imponência. Não foi dessa vez, talvez ano que vem. Os torneios de xadrez regionais estão cada vez mais competitivos.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Insegurança

O relógio arrastava-se. Meu turno não acabava nunca. A minha preguiça amassava os papéis sobre a minúscula mesa-travesseiro. Podia sentir os ponteiros estalando e arremessando poeira em sua odisséia. A minha liberdade estava a um vidro de distância, como podia ver naquela moldura-janela do quadro do parque.

Mesmo de longe e com detalhes trabalhistas atrapalhando-me, conseguia ver os distraídos transeuntes. Uns em direção ao serviço, outros em direção ao lazer e alguns que por falta de opção residiam no meio dos jardins. Um mendigo fazia de um punhado de folhas uma cama confortável e das pombas suas mascotes, eu podia sentir odores exalando de seu corpo e insetos sendo atraídos pelo mesmo. Estranhamente, uma criança brincava com as pombas e a suposta mãe olhava com indiferença. Um rapaz de agasalho se exercitava fazendo suas pernas carregarem seu imenso corpo.

Usando o grampeador de repercussão e uma caneta com papel de harmonia, criei música no vazio escritório. Distraí os minutos restantes do meu plantão. Despedi-me do computador, dos documentos assinados e dos morféticos cheiros de um cubículo masculino. Curiosamente ansiava pisar na praça, talvez minha mente quisesse cheiro de liberdade.

No elevador panorâmico, porém, consegui outra imagem daquele lugar antes desejado. Não havia mais suposta mãe e sim uma mulher vestida com roupas de assistente de mágico. Não havia mais uma criança serelepe, e sim um anão de circo, companheiro da artista pedinte. Não havia mais um rapaz, e sim uma mulher barbada e além das medidas normais de peso. Mantendo assim, apenas o hedonista, tépido e fétido mendigo.

Aquilo me embaralhou a mente, tinha tanta certeza das minhas conclusões iniciais. Desci no saguão vazio e enquanto abria a porta com minha chave de retardatário, pude ver não uma trupe de circo, mas sim uma família com trajes de domingo, sob o olhar marcante e irritante do mendigo.

Corri para a praça, ignorando visões ao longo da corrida. Topei com algumas estátuas e o mendigo incessante. Eu tive de indagá-lo. “Por que a praça me engana a visão constantemente?”. Ele respondeu. “O cenário muda, as personagens mudam, seus medos não”. Disse o mendigo, gêmeo meu, visão futura do meu desemprego.

sábado, 11 de abril de 2009

Que saudades desse nome.

As paredes do beco permitiam que eu me escorasse nelas. Meu corpo lutava contra o cansaço, a adrenalina não dava conta de manter o mesmo funcionando, o sangue quente percorria minhas veias cada vez mais rápido, a gravidade era tanta que nem podia mirar as baratas que passavam perto de mim. Frases ditas minhas que antes percorreram as ruas, agora ecoavam na minha cabeça, “Daniele, volta pra mim”. Foi nesse dia que os homens de branco prenderam-me em seu furgão.

A água dura e fria ativou-me a consciência. Jogaram-me num quarto pequeno e funesto, do qual as chaves meu tato nunca experimentou. Minhas roupas sem cor misturavam-se às paredes do pequeno cômodo, tão insignificante quanto a ratazana que visitou-me algumas vezes pelo buraco na parede.

Foram dias e mais dias sofríveis, ouvir coisas contra meu gosto causavam-me asco, principalmente cousas relativas à minha mulher dos olhos bonitos. Meu corpo era difícil de derrubar, a não ser pelas batentes de porta que minha alta cabeça insistia atingir. Conflitos não foram poucos, não agüentava dirigirem sujas palavras à senhorita Cunha.

Conflitos que levaram à um dia fatídico. Achei que seria apenas mais um dia na solitária comum, por mau comportamento. O resultado foi outro, punhos e cacetetes maltratavam minha pele, nada comparado ao que foi dito. “Daniele morreu, acostume-se”. “ A mulher na rua não era a Daniele”. As palavras proferidas machucaram-me a alma de tal jeito que nem um braço de qualquer viking conseguiria. Ao final da lição lançaram-me um papel.

Então está decidido. Vou seguir em frente sem depender de um amor inexistente no plano material. Pego o papel, uso o verso para escrever, “Cansei de esperar Daniele, te encontro lá”. Começo algazarra na pequena “moradia”, ameaço piromania, a resposta é imediata, resisto intencionalmente, em poucos momentos minha cabeça jorrava um vermelho brilhoso e meu corpo jazia derrotado no chão. Então reli a frente do papel. “Atestado de Óbito”. “Nome: Daniele Santos Cunha”. Que saudades desse nome.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Moral do Amor 4ª Parte

Acordo com um tapa na cara. Uma luz ofuscante censura-me a visão. Estou no céu? Outro tapa na cara, do lado direito agora, causam-me sensação contrária. Um cabelo ruivo entra na frente da luz e faz meus olhos refletirem um vermelho sendo atacado pelo branco agressivo.
Sim, como quem lê meus pensamentos deve ter imaginado e como a minha expressão deve ter me denunciado, é ela. Mary Ann ao se dar conta de seu prisioneiro, abaixa os olhos e tenta disfarçar o sentimento de nostalgia.
A rapidez dos acontecimentos a seguir foi de certa forma cômica, do sorriso superior dos inimigos ao explodir da parede por um míssil do qual barulho eu reconhecia, não foi tempo suficiente para um suspiro. Engraçado foi que os mísseis eram sim familiares, mas não convenientemente. Uma terceira tribo estava na jogada.
Soltar-me foi rápido, carregar uma ruiva inconsciente nas costas foi prazeroso, arranjar alguma coisa com rodas e um motor foi um tanto quanto difícil. Tendo sucesso nisso, fugi com ela em meio a tiros e explosões, ao melhor estilo 007.
Após certo tempo, a mulher antes menina ao meu lado acorda. Sibila agradecimento e algo parecido com “saudades”. Levo-a a uma cidade deserta. Arrombo um antigo estalajadeiro e coloco-a em uma mofada cama. As lesões incomodam-lhe o corpo, sinto pena daquele anjo caído.
Horas depois a morte se apossa do corpo que tanto desejei. Com o sangue ainda quente antes bombeado por um coração que, enquanto vivo, era dono do meu, escrevo as últimas palavras ao aleatório e curioso leitor, já que sem metade de mim, incompleto, não posso viver. “Amei e vivi, integralmente”.