quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Tu julgas

- Desista.

-Quem és tu? De onde vem tua voz?

-Eu sou você, mas você não é eu, visto que eu sou nós,eu e você, mas você é apenas você.

-Diga-me de onde falas!

-Não falo nem digo, muito menos sinalizo ou indico. O que você codifica é um punhado de sinapses, da sua querida Inconsciência.

-Estou louco?

-Ah quem dera! Gostaria que você tivesse uma segunda personalidade, às vezes fico solitário aqui. Você está apenas cego.

-Mas eu enxergo a rua!

-Apenas a rua, não é meu caro?

-Isso é doença?

-Doença é benção, te faz humano. Você é apenas mais um reflexo dos muitos que a sociedade cria, do alvoroço do vai-e-vem. Talvez surdo então!

- Mas eu ouço as buzinas e os berros..

-Apenas isso, não é? E pare com o tu, ou tu achas que tu te salvarás do vós santanás? Fale de alma aberta, afinal sou eu que a disseco todo dia.

-O que você quer? Não entendo suas indagações.

- Claro que não entende! Você está surdo, cego, mudo e leso. Não degusta nem sente, ó insensível!

-Estou morto, então?

-Talvez, está começando a respeitar os sentidos. Você deixou de degustar a vista, tocar os perfumes, mas parece que ouvir ainda é possível, não é?

-Oi?

-Haha, brincas com o criador da sua ironia!

-Agora quem ressucita o tu és tu!

-Acredito que reintegrei sua confiança, já é um começo.

-Mas se você é o que você diz ser, então você é minha confiança também!

-Talvez. Vamos proceder ao jugalmento.

-Que julgamento?

-Nunca ouviu de algum mortal que o juiz de um homem é ele mesmo?

-Sim.. Mas então isso me torna um..

-Sim, você é réu. E eu,nós, sou júri também!

-E o promotor?

-Ah meu querido, você incrimina a si mesmo.

-Isso é um insulto?

-Não, apenas um indício de humanidade.

-Já voltou a ser confuso..

-Você acusa você mesmo de ser confuso, que engraçado! Enfim, não é verdade que você negou ajuda a um pedinte?

-Não queria incitá-lo à continuação da miséria própria.

-Mas você já ofereceu a outros.

-Não vêm ao caso.

-Caso esse em que você se encontrava estressado com a humanidade, por causa das supostas injustiças de um mundo justo que você nao merece?

-Talvez.

-Hm.

-Hm?

-É verdade que você parou na vaga para idosos?

-Uma vez, o mercado já estava fechando.

-Isso é correto?

-Não! Mas também não é errado devido às circunstâncias..

-Se não é certo nem errado, o que é isso?

-Humano!

-Protesto! Você usa sua condição humana para justificar todo e cada erro, todo e cada ato compulsivo.

-Dane-se!

-Haha, comportamento deveras humano.

-Já acabou?

-Não! É verdade que você colou em uma prova e depois negou e sentenciou a cola nas outras oportunidades?

-Mas foi apenas uma vez, e foi sem querer..

-Sem querer?

-Necessitava!

-Seu porco.

-Acusa a si própria, Inconsciência! Você provocou meus intintos acadêmicos e me forçou a isso!
-Bela desculpa.

-Mais acusações?

-Minto quando digo que você temeu a opinião alheia, desviando dos olhares e chorando contra as palavras?

-Quem não o faz?

-Ninguém.

-Então!

-Deprime a si mesmo ao dizer que você é ninguém e ninguém e você.

-Antes ser aceito que renegado.

-Não é verdade, que você flertou com várias pessoas e até se relacionou com algumas para superar uma decepção camuflada de amor que lhe ocorreu no começo dos seus hormônios?

-Sim.

-Sem desculpas dessa vez?

-Para isso, não existe.

-Digo verdades quando digo que você pediu desculpas a si mesmo em vez de pedir ao destino?

-Como assim?

-Você se arrepende por não ter tentado, quando deveria apenas se arrepender com o que desse errado.

-É humano temer.

-Temer não é desistir.

-Tanto faz, eu desisti.

-Sabia que, observando a última circunstância, poderia lhe condenar à pior pena possível?

-E qual é?

-Uma vida infeliz.

-Eu já fui condenado a isso sem saber.

-Está na hora de você entrar com um recurso na Corte dos Pensamentos então.

-Será?

-Declaro o réu livre das acusações.

-Inocente?

-Você não ouviu as condições ainda.

-E quais são?

-NUNCA mais volte aqui.

-E como eu faço isso?

-Tente a felicidade, é mais barato que um advogado chamado Freud.