domingo, 28 de novembro de 2010

Deixe-me levantar..

De certa forma, fiquei contente em estar com a mochila. Ela estava deveras pesada, mas pelo menos eu podia apertar suas alças, empurrando-as para frente, fazendo com que ela mesma me levasse. Não chovia, infelizmente. Se olhasse para o céu, certamente veria abutres rondando-me. O calor estava intenso. Eu suava. Ainda assim, agradecia minha mochila. É tão confortante ter o que segurar, evitando que as mãos dancem sozinhas, bobas, desgovernadas.

Resolvi sentar. O degrau respondeu-me, literalmente, com um certo desconforto. As pessoas arrastavam-se, lambiam a calçada com os pés. Lambiam, também, o suor que escorria-lhes a face. Nojento não, cômodo.. Demorou certo tempo até eu reparar na silhueta. Perguntei-me se realmente valia a pena levantar, o degrau já estava até gostando de mim... Apertei minha mochila, e ela fez que sim. Levantei.

O cabelo, idêntico. A altura, também. O perfume, ainda mais. Continuei. Ela virou-se. Virou-se. Virou-se. Era ela. Não, não era ela. Quando a moça de fato virou, ao pé do semáforo e não em minha mente, segurei o nó raivoso na garganta. Os olhos não eram os mesmos. Nem o nariz fino. Os lábios vermelhos, muito menos. Ah, aquele vermelho.

Vermelho, ela andou. Andou e me deixou para trás. Apertei as alças, e achei outro degrau. Maldito desconforto. "Tomando cabelo por olhos fechados a transbordar aquela cor". Falando nisso, outro cabelo, deixe-me levantar..

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Alguéns, outrens e massinhas

Existe uma perceptível diferença entre ser uma massinha de modelar com a qual cansaram de brincar e um alguém. Um alguém pode não ser comum o suficiente para camuflar-se nas faixas de pedestre. Um alguém pode vir a falhar miseravelmente na missão de ser incomum o suficiente para imortalizar-se nas areias da ampulheta.

Em ambos os casos, além de tantos outros que trombam com as pessoas no movimentado Destino, não há escapatória. Tornar-se-á um outrem. Eu não sou um outrem, apenas tornei-me um. Subitamente, senti uma pontada de inveja das massinhas. Pelo menos, às vezes, moldam-nas. Parece, inexplicavelmente, mais fácil do que eu escolher uma cor e um formato para mim mesmo.

É, estou outrem. E você?