Recuso-me a olhar os detalhes. Separo a última folha do bloco, a que continha as rotas e satisfaço-me em saber que poderia realizar meu trabalho e ignorar meu passado ao mesmo tempo. Volto ao quarto para o que alguns chamam de “tempo da meditação”, o qual era usado pela maioria para dar um tapa num beck ou afundar-se no haxixe. Eu nunca fui disso, então jogo-me na cama numa tentativa fútil e inconsciente de entrar em coma por contato com o colchão.
Faço-me confortável naquela cama que luta contar qualquer tipo de tentativa de ter uma posição ortopédica. Os papéis jogados na cabeceira, colocados lá por mim mesmo há pouco tempo, parecem um mapa de tracking. Encaro a parede com atenção. As imagens que se formam não são visíveis a qualquer um. Sensações nostálgicas tomam-me o corpo, as ilusões que nutria em minha juventude parecem-me tão imaturas agora!
Absorto numa partida de chessmaster, ao som das melhores músicas, desde Santana a Oomph, de Deep Purple a Dimmu Borgir, de Van Halen a Rammstein, de Depeche Mode a Celldweller, a tensão desfia-se como um frango exposto há muito.
Forte e confiante, como se paladinos protegessem-me em uma formação romana de batalha, rumo ao meu destino. Checo as armas e a munição, faço os preparativos necessários, crio as referências no computador de bordo, tudo compassado pelo melhor ritmo do true metal. O tilintar dos metais passam despercebidos e as bocas alheias movem-se sem sentido.
Entro no carro e começamos a jornada. Tal comboio não passaria despercebido por muito tempo, então a instrução é deixar os sistemas de defesa ativados. A viagem é melancólica até certo ponto, o qual seria o “marco 30”. Trinta quilômetros antes de entrar nos perímetros inimigos. Provavelmente haveria minas aqui. Não minas de shortinhos e decotes, minas terrestres que arrancam seu pé igual uma marmota mutante. Um retardado, no sentido literal da palavra, passa reto e se encontra com uma mina. Seu veículo sai quicando e explodindo, mais que suficiente para evidenciar nossa presença.
As cápsulas caem ao chão como pétalas d’uma rosa perdida. As balas rasgam o ar como águias famintas. A presa das metralhadoras fumegantes esquiva-se desesperadamente. E então, em um momento de sorte ou azar, um dos projéteis acerta o vão da janela traseira do Toyota, colando borracha e miolos na parte interna do pára-brisas. A minha eficiência me assusta. Temo pela identidade da vítima, por uma fração de segundo sinto remorso, então uma granada explode o Land Rover ao lado e tudo volta à realidade. Ou não.